Gerrilha Tecnológica: Produza com o que você tem! Entrevista: Antônio Brasil (Jornalista)



Hoje, muita gente fala sobre Marketing de Guerrilha, que seria uma forma economica e criativa de se divulgar algo. O que muita gente não sabe é que existe outro termo muito mais englobante ligado a este, chamado Guerrilha Tecnológica, que não trata de divulgação apenas mas sim de produção.

A Internet é um facilitador da produção de guerrilha, por permitir a criação de vídeos, filmes e todo tipo de informação com produção a baixo custo. Quem estuda isso de perto é o jornalista Antônio Brasil, doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutorado em Novas Tecnologias na Rutgers University.

Brasil é especialista em Guerrilha Tecnológica adaptada ao telejornalismo, e nos anos 90 fez parte da produção do documentário Muito Além do Cidadão Kane, de Simon Hartog, proibido pela Rede Globo por piratear imagens da emissora. Além disso, é coordenador da Tv Uerj, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, onde dá aulas. Esse projeto é conhecido como a primeira televisão universitária a transmitir programação ao vivo na Internet e rendeu ao Instituto de Comuicação da Uerj o prêmio internacional TopCom Awards e o prêmio Grupo Inovador, pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), em 2002.


Veja essa entrevista em vídeo no Youtube: Parte 1/Parte 2/ Parte 3


@Teria como você explicar o que é Guerrilha Tecnológica?
O conceito de Guerrilha Tecnológica é uma coisa muito parecida com o próprio conceito de Guerrilha. Como é que os vietcongues conseguiram enfrentar o maior exército de todos os tempos que é o exército americano? Assim como qualquer guerrilheiro, eles lutaram com o que eles tinham, não com aquilo que eles gostariam de ter. A Guerrilha Tecnológica é exatamente assim, não é a tecnologia que é importante, é só você utilizar os equipamentos que você tem de uma maneira simples e acreditar nas suas idéias.

@Como você adaptou o conceito de Guerrilha para o livro Telejornalismo, Internet e Guerrilha Tecnológica?
Guerrilha Tecnológica antes de tudo na época em que eu escrevi era uma idéia de provocação das pessoas para elas pararem de ficar sonhando, imaginando: "O dia em que eu entrar na TV Globo eu serei um grande jornalista", mas e antes? Por que você não faz um bom jornalismo hoje, num blog, numa revistinha comunitária, junta um grupo de pessoas. É uma idéia de você parar de não fazer nada e começar a fazer coisas, com o que você tem, e de repente você vai reconhecer que tem coisas muito boas em volta de você, inclusive você mesmo, suas próprias idéias.

@ E por que você acha que as pessoas hoje estão procurando tanto a Guerrilha Tecnológica?
Existem ciclos históricos. Tem épocas em que você se contenta com meios de comunicação de massa, em que a maior parte das pessoas são passivas, elas não querem fazer nada, só assistindo a um filme, ouvindo um programa de rádio ou assistindo televisão. Os ciclos na história tendem a desaparecer, e a surgir um novo. Eu acredito que hoje, principalemente com a Internet, as pessoas querem inverter a mão dos meios de comunicação de massa e em vez de ficar assistindo, elas querem colocar a mão na massa. A Guerrilha Tecnológica, assim como qualquer tipo de guerrilha, significa essa idéia de você parar de criticar os meios tradicionais de comunicação e a fazer uma coisa, mesmo que pequena, profissional ou para sua própria satisfação, que te deixe feliz.

@ É verdade que você participou do documentário Muito Além do Cidadão Kane?
Quando eu sai da Tv Globo eu montei meu próprio birô de vídeos, a RCV Produções. Ele fazia toda parte da produção de vídeos profissionais, e também emprestava equipamentos. Nós tínhamos como clientes a própria Tv Globo e agências internacionais. Quando o diretor Simon Hartog veio ao nosso país para produzir Muito Além do Cidadão Kane para o britânico Channel Four, minha produtora ficou responsável pela produção do documentário no Brasil.

@ E qual era o papel da RCV Produções no documentário?
A parte técnica, de entrevistas com Brizola, Chico Buarque e etc.

@Por que ele pode ser considerado um documentário de Guerrilha?
Mais guerrilheiro do que isso é impossível: Em uma época de ditadura no Brasil, chega esse inglês querendo fazer a ousadia suprema de fazer um documentário sobre aTV Globo. A primeira coisa que eu falei com ele foi: "O senhor não é daqui não, né? Aqui a gente não faz documentário sobre a TV Globo". Mas ele foi lá e fez a proposta a Globo e ela não quis ajudar ou ceder imagens. Simon Hartog fez o documentário assim mesmo. Ele simplesmente pegou as imagens de uma forma meio que pirata, que é uma forma de guerrilha também, e colocou no filme. Eu tive o privilégio de trabalhar com ele, ajudá-lo nessa produção mesmo de uma forma meio anônima -a Rede Globo era um cliente meu e eu tinha ótimos contatos.

@ A sua tese, posteriormente transformada no livro A Revolução das Imagens, que propõe um arquivo público de imagens de telejornais, é uma espécie de crítica a essa atitude global?
Essa experiência me deixou muito chocado. Pensar que um diretor de cinema veio ao Brasil para fazer um documentário, precisou negociar imagens com uma emissora de TV, mas ela disse assim: "Não vou ceder, nem dar acesso". Isso me fez pensar se eu, brasileiro, quiser procurar saber sobre o papel da TV Globo durante a ditadura militar, como eu vou investigar isso se eu não tiver acesso aos telejornais dos anos de ditadura no Brasil? Aquilo ali é uma concessão pública, eles não são donos da televisão, eles não são donos do canal. Eles podem ser donos até do arquivo, mas devia haver uma legislação igual a que você tem com todo jornal impresso no País, que sempre é encaminhada uma cópia para Biblioteca Nacional e pode ser consultado gratuitamente. A desculpa antes era tecnológica, mas hoje com o Youtube não tem mais desculpa. Fazer uma biblioteca de telejornais brasileiros na minha opinião é uma necessidade de memória da própria história do Brasil. Talvez os nossos netos venham cobrar da gente.

@Por que você acha que não existe interesse em um arquivo público virtual de telejornais, ou até de toda programação de televisão?
A gente não sabe muito bem o que que é público aqui no país. O episódio de Simon Hartog exemplifica como as pessoas pensam televisão no Brasil: posse. Eu estava em Paris na Unesco quando a Globo ia receber um prêmio para o Sítio do Pipcapau Amarelo. Roberto Marinho estava lá, sempre muito simpático e seus assessores em volta dele, tentando explicar pra ele como era a Internet. Ele silencioso, impassível, não falando praticamente nada. De repente, ele fez uma pergunta que eu acho que é simbólica: "Como é que eu faço pra comprar essa tal de Intenret?". Deve ser difícil pra uma pessoa dessa conviver com um mundo de cabeça para baixo, com o mundo do Youtube. Como eu faço pra comprar comprar o Youtube? deve ser a mesma coisa.

@Outro case de Guerrilha que o senhor tem em portifólio foi a criação da Tv UERJ. Como surgiu a idéia de criar o primeira televisão de universidade a transmitir programação ao vivo?
Ela não surgiu só de uma idéia, ela surgiu de uma necessidade, de um impedimento. Nós (estudantes e professores do dep. de Comunicação da Uerj) queriamos fazer televisão ao vivo, mas as televisões universitárias que existiam na época e existem até hoje não permitem fazer transmissões ao vivo. Que que nós faríamos? Como bons guerrilheiros resolvemos fazer nossa própria televisão nessa tal de Internet. Hoje em dia parece uma coisa muito fácil e é realmente , mas em 2001 as pessoas mal conseguiam baixar uma fotografia, quem dirá botar um vídeo. A primeira coisa que a direção da UERJ nos disse foi: "Não vai ser possível fazer aqui porque vai pesar muito no computador". Mas as resistências foram sendo quebradas e a gente foi desenvolvendo uma linguagem. A tal da Guerrilha Tecnológica surge muitas vezes de um impedimento, de um obstáculo. As pessoas achavam que não ia dar certo, mas está funcionando até hoje, é uma boa ferramenta pra ensinar a fazer televisão.

@Por que as televisões universitárias não permitem televisão ao vivo?
Quando começou a Tv Universitária, a UTV, nós tentamos colocar um telejornal ao vivo lá, mas não conseguimos. Por razões tecnicas e políticas eles não quiseram colocar. Eles nunca quiseram dar voz a um estudante de falar ao vivo, de criar polêmica e depois não ter como apagar. O grande problema de fazer televisão ao vivo é que não tem como desdizer algo que você já disse. Num pré-gravado eu posso simplesmente cortar. Como era uma época de ditadura, quando eu trabalhava na TV Globo e o jornal parecia que era ao vivo pra quem assistia, no entanto era pré-gravado, pro sensor poder tirar as coisas antes. Esse é o problema político, você dar liberdade a quem tá falando e você não ter controle sobre isso. Você pode tirar a pessoa do ar, mas ela já falou.

@Qual sua posição sobre essa atitude da UTV?
Acho um absurdo, continuo brigando, escrevo artigo no Comunique-se sobre isso. A UTV é uma das maiores dececpções que tive na minha vida e continua sendo. Ninguém assiste, é uma porcaria, não dá pra tentar assistir aquilo ali, tirando um ou outro programa, muitos deles da PUC. Acho que até quem faz não assiste. Não tem paciência de ver. E universidade devia ser ponta de lança de inovação. Aquilo deveria ser um CQC da vida, a televisão mais inovadora, deveria ser A Tv Universitaria.

@É verdade que você já tentou fazer Tv ao vivo antes mesmo da Internet em uma universidade?
A idéia da tv e da internet é uma evolução de um outro projeto meu, a TV do Poste na universidade Estácio de Sá em meados dos anos 90. A gente gravava o jornal sem cortes, colocava no videocassete, pegava um cabo longo e ligava o estúdio ao monitor da praça de alimentação e transmitia. Isso hoje em dia parece muito ridículo e tão óbvio, mas antes isso foi uma sensação porque a gente não só colocava no cassete e exibíamos programas pré-gravados mas a gente convidava, por exemplo, um jogador do flamengo, no horário que todo mundo estava na praça de alimentação e dava 100% de audiência. Nosso universo era o cabo e para um aluno isso é televisão ao vivo. Na época o jornal da Estácio ganhou um primeiro prêmio na Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), premiação mais importante.

@Na Internet a quantidade de clicks em vídeos é superior que em banners. Quer dizer, os vídeos estão fazendo muito sucesso na web. Por quê?
Nós estamos diante de uma nova forma de comunicação. Mas nem todo vídeo que está na Internet é necessáriamente uma publicidade. Existem vídeos instrutivos, nisso o Youtube tem sido um repositório fundamental, cabe a você saber buscar.

@E o que explica vídeos toscos como "Tapa na Pantera" ou "Atoron o perigon" liderarem a audiência de clicks?
Os vídeos por mais toscos que sejam tem sempre uma idéia diferente, eles tem sempre uma certa originalidade. Será que o cara que fez NumaNuma ou StarWars Kids é milionário? Talvez não, mas nós estamos aqui falando deles. Eles ficaram famosos de uma forma guerrilheira, não gastaram nada. Tiveram a essência da criatividade, tiveram uma boa idéia.

@Qual é o passo que deve seguir quem queira ser um "Tapa na Pantera" da vida, fazer sucesso na Internet?
O que falta na gente e temos que reconhecer isso e reverenciar essa garotada que fez sucesso na web, é que eles tiveram uma grande idéia. O que a gente está vendo hoje na Internet é que as pessoas que vivenciaram outras tecnologias, talvez como eu ou você que viveram na frente de televisão, têm uma certa dificuldade de se adaptar a tal da Internet e inventar coisas geniais. Provavelmente aquele seu irmão ou seu sobrinho que você acha que é um débio mental, que vive o dia jogando videogame, que não necessariamente está exposto aos meios e tecnologias tradicionais, esse garoto é capaz de ter uma idéia genial de como utilizar a Internet de forma criativa. Tudo depende de uma boa idéia, o que falta na gente, ainda.

Antônio Brasil-perfil:

Ele começou na Globo aos 18 anos como assistente de câmera, e aos poucos já filmava, cuidava da técnica, produzia e editava reportagens. Participou do início de diversos projetos da emissora, como o primeiro programa do Fantástico, e da primeira equipe de jornalistas da Rede Globo a serem correspondentes na sucursal de Londres. Hoje, além de jornalista e freelancer para televisões estrangeiras, é articulista do portal jornalístico Comunique-se. Ele é conhecido por suas opiniões fortes e críticas sobre televisão e novas mídias. A maior briga dele hoje é um arquivo público de imagens das emissoras de televisão, para ser consultado livremente como patrimônio do país.

Para quem se interessar, livros de Antônio Brasil:

Telejornalismo Online em Debate
Compilação de conversas sobre o tema em um seminário internacional sobre telejornalismo e novas tecnologias que aconteceu na Uerj no lançamento da TV Uerj, em 2001.

Telejornalimso, Intenet e Guerrilha tecnológica
Coletania de artigos escritos pioneiramente sobre o tema no Observatório da Imprensa.

Antimanual de Jornalismo E Comunicacao: Ensaios Criticos Sobre Jornalismo, Televisao E Novas Tecnologias (Google Books)
O antimanual são artigos de revolta sobre os telejornais, apontando aquilo que a as emissoras não deveriam estar fazendo. Apontando os erros e defeitos mais óbvios, mas que acontecem.

A Revolução das Imagens: Uma Nova Proposta Para o Telejornalismo

Um trabalho que reflete sobre a natureza da matéria-prima do trabalho telejornalístico, detém-se de forma responsável sobre a frágil maneira pela qual tentamos inutilmente colocar em palavras aquilo que as palavras são insuficientes para descrever.

Comments :

9 comentários to “Gerrilha Tecnológica: Produza com o que você tem! Entrevista: Antônio Brasil (Jornalista)”
Camila Louzeiro disse...
on 

Bela intrevista, Texto que retrata sobre o conhecimento, é muito bom ter textos que mostram a realidade contemporanea ao mesmo tempo partindo com intretenimento... parabéns pela postagem :)

tollen disse...
on 

@Camila: Obrigado, fico feliz por ter gostado.bjs.

@Laguardia: Aqui não é o melhor lugar, rs. Mas recado dado... abs.

Unknown disse...
on 

Agora sei oq é guerrilha tecnologica :D
http://eutambemteodeio.blogspot.com/

Fabiano Che disse...
on 

Rapaz, ao contraio do que vai parecer, eu li toda a entrevista. O cara ajudo a fazer Cidadão Kane, legal. Essa história das pessoas quererem por a mão na massa tem um lado bom e um ruim. Por que você pode dizer o q pensa mas tambem tem quem não pensa e não fala nada que se aproveite, poluindo ainda mais a internet.

tollen disse...
on 

@Fabiano Che: É verdade, Fabiano. Esse é um dos males do nosso mundo 2.0: temos um potencial imenso, mas muita vezes não sabemos aproveitar, por isso que os vídeos mais assistidos são os pornográficos. O bom disso tudo é que na Internet temos coisas proveitosas para quem procura, ao contrário da mídia tradicional. Fico feliz que tenha curtido a entrevista :)

abs

tollen disse...
on 

@[PK]: É isso aí, esse foi um dos objetivos do post. Se você já apreendeu isso, fico feliz -ainda que tenha sido só isso, rs.

.Macarenna disse...
on 

retribuindo a visitaa ;DDD
fica avontz p/ voltar
muito bom o post

beeijos

OAMC disse...
on 

Show de bola o Blog e a entrevista!
Tudo de bom hoje e sempre!

tollen disse...
on 

@Macarenna: Que bom que passou por aqui, menina. Pode deixar que estaremos sempre em contato nessa blogosfera. bjs.

@OAMC: Obrigado elogio amigo, procuraremos sempre melhorar. forte abs.

Postar um comentário

 

Quem sou

Minha foto
Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Meu nome é Sidmar Jr. sou jornalista formado e afixionado por Blogs, Comunidades Virtuais e Novas Tecnologias. Trabalho na área de Webwriting em um portal de Intranet corporativa.

Entrevistas

BlogBlogs.Com.Br