Quem faz download é Criminoso? Entrevista: Sérgio Branco (Advogado)



A França já aprovou a Lei que visa suspender os downloads ilegais no país. Já a Inglaterra parece pôr em prática um obscuro projeto para monitorar todos os usuários conectados na rede. No entanto, nada se equipara ainda com o projeto de lei do Senador Eduardo Azeredo, que propõe que seja crime um simples streaming de música na Internet.

Se punir a prática de pirataria já é um ato questionável, imagine torná-la crime. Por isso, o entrevistado do blog dessa vez é o Ex-procurador-chefe do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI),
Sérgio Branco. Ele atualmente faz parte do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTI) da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas que é responsável oficial pela direção do Creative Commons no país.

@As ilegalidades na internet são as mesmas do mundo real ou a convergência digital g
erou novos crimes?
Creio que sejam as mesmas, efetivadas por outros meios. Ameaça, difamação, calúnia, estelionato, violação de direitos autorais e pedofilia são crimes fora do ambiente virtual e que encontraram na internet novas formas de serem executados.

@Alguns livros, CDs e DVDs têm sua edição esgotada nas lojas, seja pelo número limitado de exemplares ou cópias, seja porque a época em que foram produzidos é tão remota que nenhuma empresa se arrisca a reeditá-los. Nesses casos, digitalizar esse conteúdo e dispor em rede se caracteriza como crime?
Não podemos falar em crime. Ainda assim, a lei de direitos autorais não prevê essa possibilidade. Aliás, a lei de direitos autorais brasileira é extremamente restritiva e não autoriza a cópia para arquivo nem de obra fora de circulação comercial. No entanto, a lei de direitos autorais precisa estar em conformidade com alguns princípios constitucionais, que são hierarquicamente superiores à própria lei. A Constituição prevê o acesso à cultura, à liberdade de expressão e a função social da propriedade. Por isso, os atos de copiar obra esgotada, mudar a mídia ou copiar obra para sua preservação podem ser considerados lícitos de acordo com a Constituição. É importante mencionar, entretanto, que essa solução decorre de interpretação de princípios jurídicos e não de um artigo específico que a autorize.


@O direito autoral nesses casos esbarra com o direito à informação?
Essa questão é bastante polêmica. A rigor, a lei de direitos autorais não autoriza esses usos das obras fora de circulação comercial ou de difícil acesso. Entretanto, é possível que a lei seja interpretada a partir de alguns princípios constitucionais (acesso à educação e ao conhecimento e função social da propriedade, por exemplo). Essa interpretação provavelmente não será unânime e cada caso deve ser analisado em separado.


@Como a maior parte das ilegalidades envolvendo direitos autorais é praticada por jovens e até crianças, existe o risco de a nova geração, a do século XXI, nascer criminalizada?
Não dá para processar todo mundo. Hoje se estima que 30 milhões de pessoas acessem internet no Brasil, de casa. Então, como a gente vai processar pelo menos 30 milhões de pessoas? Não dá. Então, essa lei ou está fadada a não ser aplicada, ou você entende que é uma lei que vai servir para bodes expiatórios: "Vamos processar alguém para mostrar à sociedade que isso não se faz". Mas isso não adianta, as pessoas vão continuar fazendo. Todas as vezes que o direito brigou com a tecnologia o direito perdeu.


@Por que a Fundação Getulio Vargas critica o Projeto de Lei Nº 76/2000, do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que tipifica os crimes praticados na internet?
Esse projeto de lei tem uma redação ampla demais e ruim. Ela, a pretexto de perseguir quem comete crimes de pedofilia, abriu tanto a sua redação que qualquer pessoa que faça praticamente qualquer coisa na internet, como baixar música, estaria cometendo crime. O maior problema é que nós não temos no Brasil uma lei que trate da responsabilidade civil antes de tratar da responsabilidade penal. Transformar alguma coisa em crime é um passo muito largo, muito sério. O direito penal é um direito punitivo, o direito civil é um direito indenizatório. Todos os países do mundo criam primeiro uma lei que disciplina as matérias no âmbito civil, não o contrário. A gente quer ir direto para o âmbito penal... então, sabe o que vai acontecer? Pelo projeto de lei do senador, todo mundo no Brasil vai passar a ser criminoso.


@Há fundamento legal para impedir esse projeto de lei?
Quando a gente começa a estudar direito, a gente vê que ele existe para dar base àquilo que a sociedade entende ser justo, entende ser razoável. É totalmente injusto e nada razoável você ter uma lei tão restritiva quanto é a nossa, que não permite nada. Essa lei (N° 76/2000) vai continuar sendo injusta e contrária aos interesses da sociedade, tentando proteger um modelo de negócios que foi criado nos anos 70, mas que não funciona mais.


@Os freewares e as obras com Creative Commons podem vir a ser a solução nesse embate?
Não serão solução absoluta, na medida em que competirá aos autores usarem ou não as licenças para fazer suas obras circularem. Mas certamente representam avanços no grande problema que causa a nossa lei, que é o de acesso.

O Direito criativo

@O que é Creative Commons?

Uma licença na qual você indica o que as pessoas podem fazer com sua obra independentemente de uma autorização específica. Você está dando a autorização previamente.

@Teria como exemplificar?
Quando você cria uma música, ela nasce automaticamente com a proteção dos direitos autorais. Isso significa que se você colocá-la na internet ninguém poderá fazer cópia dela sem autorização. Então, mesmo que eu goste da sua música, eu não posso baixá-la no meu computador porque nossa lei proíbe cópia integral de qualquer obra, em qualquer circunstancia, exceto em casos específicos. No caso da música, em regra, enquanto não se passarem 70 anos, a obra estará protegida e se eu quiser baixá-la ou fazer uma cópia na íntegra, vou ter que pedir uma autorização sua, do autor. Mas pode ser que você queira que todo mundo ouça a sua música para depois comprar seu CD, ou ir no seu show. Uma forma de você fazer isso é por meio de uma licença pública e o Creative Commons é justamente uma licença pública em que você, autor, diz em que termos sua obra pode ser usada pela sociedade. Então você estipula em que circunstâncias as pessoas podem baixar suas músicas: usando ou não para fins comerciais, modificando ou não a forma original da música, usando em outras obras ou não.

@Essa lei é brasileira? Em que se aplica?
Essa é uma lei criada nos EUA mas de acordo com o nosso ordenamento jurídico, porque o nosso Código Civil, no artigo 425 diz que as partes contratantes podem celebrar contratos não previstos em lei, desde que não violem princípios legais. O Creative Commons se aplica a toda obra protegida por direito autoral, inclusive softwares.


@Existem críticas ao Creative Commons?
Muitas. As pessoas parecem não entender. Em palestras que dou elas perguntam: "Mas do que o autor vai viver?" Quem decide isso é o autor, ele criou a obra. Se ele quer liberar o direito é decisão dele, não compete às outras pessoas. Quem não aceita o Creative Commons, basta não licenciar suas obras assim. Use a lei dos direitos autorais. Eu lancei meu livro em Creative Commons e não tenho o menor problema com isso, eu acho ótimo. Posso enviar para quem eu quiser, podem tirar Xerox na íntegra, a escolha é minha.


@Existe retorno financeiro para quem adere ao Creative Commons?
Claro que existe. Se eu faço uma música e atribuo a ela a licença CC [Creative Commons], eu digo o que as pessoas vão fazer com ela. Então, se você for usá-la com fim comercial você pode, mas aí você entra em contrato comigo, que sou o autor, e a gente negocia o valor. Além disso, eu posso distribuir minhas músicas pelo Creative Commons e depois receber fazendo show.

@E qual a briga do Creative Commons com o Tratado de Radiofusão da Organização Mundial de Propriedade Intelectual?
Imagine que eu tenha uma emissora de televisão e proíba as pessoas de gravarem o que eu transmito. Dentro desse sinal eu poderia estar transmitindo programas de domínio público, não poderia? Um filme de 1920 ou um programa licenciado pelo Creative Commons, desde que estipulado pelo autor. Mas se eu estou transmitindo um programa que foi licenciado pelo Creative Commons ou que está em domínio público, eu não posso impedir as pessoas de gravarem, mesmo que seja dono do sinal. Essa é a questão: se você atribui propriedade ao sinal e proíbe as pessoas de gravarem o que você transmite, você estará, em última análise, proibindo as pessoas de terem acesso, entre outras obras, àquelas que estão em domínio público ou licenciadas com Creative Commons. Eu não posso tirar das pessoas um direito que o autor deu para sociedade. Eu estaria restringindo o uso de uma obra que está em domínio público e que, portanto, deveria ser usado por todo mundo.

@Você acha que está havendo algum interesse das grandes corporações por alguns dos dispositivos do Creative Commons?

As empresas estão percebendo que as obras têm valor econômico até certo prazo, e depois perdem. Por exemplo, a novela. Salvo em casos especiais, ela é feita para passar uma vez na vida, depois nunca mais. Depois, se torna um conteúdo perdido, sem valor econômico. Então é melhor liberar o acesso a informação, do que guardar.


@Você acha que a internet irá mudar a forma como a Lei trata os direitos autorais?
Tem que mudar. Há dez anos os direitos autorais só interessavam àqueles que produziam cultura, como gravadoras, editoras e produtoras. Hoje, qualquer pessoa com conexão à internet pode acessar obras de terceiros, modificá-las, distribuí-las ou inserir suas próprias obras (fotos, textos, músicas, vídeos) na internet. A lei brasileira não se encontra adequada às novas tecnologias nem aos desejos sociais.

Comunidades e Pirataria vitual

@Quando o livro do Harry Potter foi lançado nos E.U.A muitos grupos foram formados via orkut para traduzirem o livro. Esses grupos colocavam suas traduções em blogs que, por definição, são páginas pessoais. Existe ilegalidade?
Fazer a tradução é uma ato lícito, o que não é lícito é divulgá-la. A tradução é uma obra derivada da obra original e compete ao titular da obra original permitir que seu texto seja traduzido. Se a tradução foi feita sem autorização, não poderá ser divulgada. Diz nossa lei autoral, em seu art. 29, IV, que depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como a tradução para qualquer idioma. Além disso, a lei de direitos autorais também impede, em seu artigo 29, IX, que obras alheias sejam colocadas na internet ao determinar que “depende de autorização prévia e expressa do autor a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero”.

@O senhor está a par do que aconteceu com o Napster, quando ele saiu do ar por ordem da justiça americana? O Napster, assim como Kaaza, E-Donkey e Emule são compartilhadores de arquivo. É certo que, se eu tenho uma cópia legalizada do Photoshop, eu tenho o direito de distribuir para uma rede de amigos virtualmente?
Cada software é adquirido apenas para uma única máquina. A aquisição do meio físico (do CD) não autoriza o uso da obra inserida no meio físico (música, filme, texto ou software). Por isso, quem adquire um CD, pode, com relação ao meio físico (o CD em si mesmo), dá-lo, destruí-lo, vendê-lo, mas não pode dispor da obra nele inserida.

Dispor DVDs, Cds, livros, ou softwares em servidores ou hds virtuais é crime? Neste caso, o crime é de quem coloca esses arquivos em rede ou de quem faz o download?
Sem fins lucrativos, não haveria crime, mas, dependendo do caso, o ilícito civil é realizado por quem divulga o arquivo. Nessa conduta, poderiam ser incluídos aqueles que inserem os arquivos na internet e quem os distribui. É importante lembrar que obras em domínio público ou licenciadas por seus autores podem circular livremente.


Muitos blogs e cibergrupos disponibilizam links de filmes e coletâneas de músicas online, mas ressalvam que 'o dono do blog não é responsável pelo material', explicando que não foi ele quem o colocou em rede, ele apenas está repassando o link, isso é ilegal?
A lei de direitos autorais (Lei 9.610/98, artigo 102) diz que “o titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível”. Dessa forma, a simples divulgação poderia caracterizar uma conduta ilícita, independentemente das declarações de quem mantém o site.

Veja essa entrevista em pdf:

Entrevista com Sérgio Branco


Comments :

15 comentários to “Quem faz download é Criminoso? Entrevista: Sérgio Branco (Advogado)”
Eu amo a E.Y. disse...
on 

Se já é difícil controlar o download ilegal nos países ricos, imagina no Brasil, paraíso da pirataria? eu duvido que exista alguma pessoa que nunca tenha feito um download ilegal na vida. Não existe...

Abraço!
http://eu-amo-a-ey.blogspot.com/

Unknown disse...
on 

caranba!
vão me prender
rsrs
adorei a postagem

se puder
http://sonabrisa.nomemix.com/

Lemon Blog disse...
on 

Qume diria.. a França o país da liberdade!

espero que barrem mesmo esse absurdo.

http://sasdelli.blogspot.com/

Augusto disse...
on 

Muito interessante a materia.

E vc tem um belo blog aqui, a começar pelo nome que gostei muito hehehe... Bacana... Parabéns pelo blog!

aguardo uma visita

www.infoxcomp.com

Inez disse...
on 

Eu acho que será muito difícil proibirem download na internet. Seria mais fácil cirarem um programa que não permita ou os interessados não colocarem seus produtos na internet.

PHeuliz disse...
on 

ADOREI o tema trazido a baila! A luz da CF art 5, XVII aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras,... Algumas obras precisam de autorizações, o que se quer com essas limitações não é restringir a informação, mas evitar a pirataria!!! a Lei 9610/98, art.,5 - lei dos direitos autorais considera: publicação, distribuição, reprodução e contrafação(reprodução não autorizada) e editor direitos morais e patrimoniais da obra literária, artística ou cientifica,...pode reproduzir, sem intenção de lucro sobre a obra, é o que se chama de desapego, não se protege a idéia, mas o feito, o todo criado!!!! a pena é civil pelos arts. 186 e 927 e penal pelos arts. 184 e 186!!! Para mudar isso,... é difícil, mexe com td sistema jurídico e isso leva tempo!!! A fiscalização de download é complicada... Crimes por meio de internet em geral é bem difícil de acompanhar,.. mas não impossível!!!

Ravenc disse...
on 

Caramba!!! por um momento senti eles falando grego! ehehehe
bom , matéria boa e informativa.
abçs

Anônimo disse...
on 

Boa matéria, bom blog, gostei.
E quanto a pirataria, sim é crime e sim é ilegal, MAAAAS eu acho ridicula essa lei tanto essa quanto a do Brasil, as pessoas mal tem dinheiro, imagine pra ir comprar um cd, ou algo do genero?
acho ridiculo isso.
Beijos!

Sua formula se baseia em: disse...
on 

muito bom post, interessante informatico. esse tema e reamente ólemico, afinal criticamos a ilegalidades mas no fim acabamos todos a cometendo .

adorei o seu blog *-*

Anônimo disse...
on 

não sei se essa medida é boa pra punir iternaltas mal intencionados, mas, com certeza são necessárias medidas para proteger o campo virtual

Carina disse...
on 

ah, claro que rejeitaram né?!
Eu entendo que baixar músicas e vídeos da internet atrapalhe os artistas mas iria ser difícil controlar os downloads, além de ser muito chato passar por mudanças como esta.
(: adorei o blog!

CarinaCosta.

Dário Souza disse...
on 

Eu acho errado isso, enquanto não tem dinheiro envolvido no dowload, eh so uma troca de arquivos pela internet.Acho que os artistas, tem muito mais a perder do que ganhar.As empresas da música e do cinema, deveriam pensar em alguma forma realmente rentavel que una o mundo dos dowloads e ela.Enquanto houver briga, todo mundo sai perdendo.A empresa, o artista e o consumidor.

Anônimo disse...
on 

Download não tem mais volta é a realidade
Parabéns pelo post
visite meu blog
www.sofismo.wordpress.com

Humano disse...
on 

entrevista muito bacana.

Carlos disse...
on 

Realmente, uma entrevista que ainda nos causa polêmica. Sou da opinião de que devemos baixar sim e sem proibições pois temos nosso direito de liberdade.Essa é a nova realidade do mundo. As empresas deveriam deixar de ser preguiçosas e arrumar novas formas de atrair consumidor para gastar nosso dinheiro com elas.

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Meu nome é Sidmar Jr. sou jornalista formado e afixionado por Blogs, Comunidades Virtuais e Novas Tecnologias. Trabalho na área de Webwriting em um portal de Intranet corporativa.

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